O psicólogo ambiental Ian Walker, professor na Universidade de Swansea, cunhou o termo motonormatividade para descrever um fenómeno invisível mas profundamente enraizado: a forma como aceitamos o automóvel como elemento natural do quotidiano, mesmo quando ele nos prejudica. Numa entrevista ao PÚBLICO, Walker explica que esta aceitação vai muito além do transporte — é uma questão de cultura, linguagem e política pública.
O investigador conduziu um estudo com mais de duas mil pessoas no Reino Unido, comparando a forma como percecionam riscos ligados ao automóvel e a outros comportamentos, como o tabagismo. As conclusões são reveladoras: o que seria inaceitável noutros contextos (como expor outros ao fumo ou causar lesões por descuido) é amplamente tolerado quando envolve um carro. É essa normalização que o autor chama de motonormatividade — a ilusão de que o uso do automóvel é inevitável e neutro.
Walker aponta também o papel da linguagem na perpetuação desta cultura. As notícias falam de “acidentes” como se fossem eventos fortuitos, ou de “carros” que atropelam pessoas, como se o condutor fosse irrelevante. Esta desumanização linguística transfere a responsabilidade para o veículo e mascara a dimensão social do problema. “Não permitimos mortes por desatenção num local de trabalho, mas na estrada aceitamos que ‘acontece’”, sublinha o psicólogo.
Para Walker, a mudança deve vir do nível político e estrutural — tal como aconteceu com o tabaco. O exemplo dos Países Baixos, onde há décadas se aplicam políticas de restrição ao uso do automóvel urbano e incentivo à bicicleta e ao transporte público, demonstra que a cultura pode ser transformada. As pessoas passam a valorizar as deslocações não motorizadas e a perceber que o conforto individual do carro não compensa os custos coletivos.
O investigador alerta ainda para a “ignorância pluralista”, um enviesamento cognitivo que leva muitos cidadãos e decisores políticos a acreditar que a maioria continua a preferir o carro, quando na realidade existe já um consenso crescente em favor da mobilidade sustentável. Essa perceção errada alimenta a inércia política e adia as transformações necessárias para cidades mais seguras e equilibradas.
Por fim, Walker critica a ideia de que os carros elétricos sejam uma solução suficiente. Embora reduzam as emissões diretas, mantêm a mesma lógica de dependência, o mesmo consumo de espaço e o mesmo impacto urbano. “Não precisamos apenas de mudar o tipo de carro — precisamos de mudar a forma como pensamos a mobilidade”, conclui.
Fonte: Público