Sistemas de Bike Sharing – O caso das Bugas de Aveiro

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Luís Caetano

Autores

Foto_LC_1_50x50 Luís Caetano (luis.caetano@w2g.pt)

Foto_MB_1_50x50 Madalena Beja (madalena.beja@w2g.pt)

Resumo

No presente artigo discute-se o papel desempenhado pelos sistemas de Bike Sharing como complemento ao mix modal nas cidades, através da identificação dos principais factores de sucesso e insucesso na sua implementação.

A análise centra-se no caso das “Bugas” de Aveiro, sistema pioneiro em Portugal instalado há cerca de dez anos. O sistema instalado em Aveiro é apresentado através da descrição das características técnicas e operacionais da oferta bem como da integração deste sistema, e da circulação ciclável em geral, no espaço público da cidade. Apresenta-se ainda a evolução e distribuição sazonal da procura do Sistema Buga e as principais conclusões do inquérito realizado, no âmbito do Plano de Mobilidade de Aveiro, aos utilizadores das “Bugas”. Através deste pretende-se compreender em que medida o sistema, tal como existe hoje em dia, se adequa às necessidades e anseios dos ciclistas regulares ou esporádicos.

Paralelamente, é também realizado um exercício de Benchmarking relativo a diversos serviços equivalentes instalados em cidades de dimensão semelhante através do qual se discute genericamente este tipo de serviço nas suas várias componentes e alternativas.

Conclui-se com o elencar dos principais pontos fortes e fracos do Sistema Buga quando comparado com sistemas semelhantes e de acordo com as necessidades dos utilizadores, apontando-se alguns vectores de intervenção conducentes à sua melhoria futura.

Evolução histórica dos sistemas de bike sharing

Comummente agrupa-se a história do Bike Sharing em três gerações.

A primeira geração surgiu em Amesterdão em 1964 designada por “Wite Fietsen”. Consistiam em bicicletas pintadas de branco que se encontravam distribuídas pela cidade para utilização livre e gratuita. Rapidamente as bicicletas foram vandalizadas, atiradas para os canais ou apropriadas para uso individual.

A segunda geração dos sistemas de Bike Sharing, cujo caso mais famoso são as Byciklen de Copenhaga inauguradas em 1995, distingue-se da primeira através da introdução de diversos locais específicos de aparcamento das bicicletas e através do facto destas serem construídas propositadamente para serem partilhadas (ex. pneus de borracha sólida, placa com publicidade). O bloqueio e desbloqueio das bicicletas é realizado através de um sistema de moeda em tudo semelhante ao utilizado nos carrinhos de supermercado.

A maior semelhança entre os sistemas de 2ª e 1ª geração é o anonimato da utilização. Este factor foi fundamental no seu relativo fracasso devido à frequência de roubos e vandalismo.

O sistema BUGA de Aveiro originalmente enquadra-se nesta geração de sistemas de Bike Sharing.

Por volta de 1996 surge o primeiro caso de utilização de tecnologias de informação para a gestão de um sistema de Bike Sharing. Este facto aconteceu na Universidade de Portsmouth e teve como face mais visível a utilização de um cartão de banda magnética para o aluguer das bicicletas inaugurando a 3ª geração do Bike Sharing

No entanto só em meados da década de 2000 com a implementação do sistema Velo’v de Lyon em 2005 e, como resultado do sucesso deste, do sistema Velib’ em 2007 onde se atingiu um máximo de 20.600 bicicletas disponibilizadas os sistemas de Bike Sharing se difundiram por muitas cidades europeias (DEMAIO, 2009)

As características fundamentais dos sistemas de Bike Sharing de terceira Geração são (SHAHEEN, 2010):

  • Bicicletas facilmente identificáveis (através da cor, design especial ou publicidade);
  • Estações de estacionamento;
  • Quiosque e interface com o utilizador para entrega e recolha das bicicletas;
  • Tecnologia avançada para interacção com o sistema (ex. telemóvel, cartões magnéticos ou smartcards)

Em 2010 existiam aproximadamente 160 sistemas de Bike Sharing em todo o mundo.

Todo este processo evolutivo levou a um estágio em que o Bike Sharing se define como um sistema de transporte público destinado à realização de deslocações de curta distância em bicicleta. A utilização é feita através da recolha de uma bicicleta num local junto à origem da viagem e a sua entrega num local junto ao destino da viagem (Bike-share Studio, 2010).

Nesta fase considera-se estar em marcha uma 4ª geração de Bike Sharing cujo enfâse fundamental é dado à melhoria de eficiência, sustentabilidade e facilidade de utilização.

As principais novidades da 4ª geração passam, por exemplo, por (DEMAIO, 2009):

  • Envolvimento dos utilizadores na distribuição das bicicletas atribuindo créditos àqueles que as depositarem nas estações menos usadas;
  • Minimização das intervenções físicas necessárias à instalação das estações através da auto-suficiência energética e de comunicações com recurso a painéis solares, baterias e comunicações móveis e sem necessidade de recorrer às redes de infra-estruturas urbanas;
  • Tracking através da instalação de sistemas GPS nas bicicletas permitindo a recolha e armazenamento de informação relativa aos percursos mais utilizados e detecção das situações de abandono ou roubo;
  • Pedal Assistance através da introdução de uma parcela de bicicletas com algum sistema eléctrico de auxílio à pedalagem;
  • Novos modelos de negócio não associados a contratos de publicidade destinados a locais cuja dimensão condicione a sua rentabilização, ou nos casos em que esta não seja permitida.

Buga – Bicicletas de Utilização Gratuita de Aveiro

Evolução do Sistema

O sistema BUGA – Bicicletas de Utilização Gratuita de Aveiro – iniciou a sua actividade em Abril de 2000 com 350 bicicletas e cerca de 30 locais de estacionamento. A sua utilização começou por ser realizada com recurso a moeda num processo semelhante ao utilizado com os carrinhos de supermercado também presente em outros sistemas de Bike Sharing de 2ª geração.

O facto de este ter sido um sistema inovador em Portugal fez com que a BUGA gozasse de um grande reconhecimento a nível nacional alavancando a imagem que Aveiro ganhou enquanto cidade “amiga” da bicicleta.

Apesar da forte divulgação de que este sistema foi alvo, ele não foi replicado em grande escala noutros pontos do país. Para além de alguns casos pontuais centrados em universidades (Minho) ou parques urbanos (Porto) o único caso semelhante que se conhece são as BICAS de Cascais.

À semelhança do que aconteceu com outros sistemas de 2ª geração, decorrente do anonimato da utilização, o roubo e o uso irregular das bicicletas tornaram-se demasiado frequentes o que levou a que, por volta de 2003, o sistema de moeda tenha sido abandonado.

Nesta fase, procurou-se ultrapassar o problema do anonimato da utilização de duas formas:

A utilização das Bugas por parte do público em geral com uma utilização mais esporádica passou a ser efectuada mediante a entrega de um documento a devolver no momento da recolha da bicicleta.

Paralelamente foi criada uma categoria especial de utilizadores agrupados no Clube Amigos da Buga que expectavelmente fariam uma utilização mais regular do sistema, e que, voluntariamente, efectuariam uma fiscalização informal do sistema no sentido de reduzir os actos de vandalismo sobre as BUGAS. Em contrapartida, os elementos desse clube teriam acesso a uma chave que abriria os cadeados de cerca de 100 bicicletas fabricadas propositadamente para o clube. Os membros do clube estavam sujeitos a um conjunto de regras como, por exemplo, não reproduzir ou emprestar a chave, estacionar as bicicletas apenas nos locais autorizados de modo a ficarem disponíveis para outros membros do clube, estando proibidos de as levar para casa.

Infelizmente, na altura em que as bicicletas destinadas ao Clube Amigos da Buga estavam a ser construídas a fábrica responsável por esse processo faliu abortando a implementação de todo o sistema pensado para o clube.

Nesta fase, a Buga passou a funcionar com apenas um ponto de entrega/recolha, a Loja da Buga localizada junto ao mercado Manuel Firmino.

Em 25 de Outubro de 2004 é criada a MoveAveiro entrando em funções em 1 de Abril de 2005. A sua criação efectuou-se através da incorporação da Empresa que efectuava a passagem da Ria, Forte da Barra / São Jacinto – Transria Lda -, com os STUA – Serviço de Transportes Urbanos de Aveiro, até aí integrantes dos SMA – Serviços Municipalizados de Aveiro – abarcando também as BUGAS e a gestão dos parquímetros que até aí estavam na dependência da Câmara Municipal (MoveAveiro, 2006).

No final de 2005 o número de bicicletas em operação era cerca de 250 tendo-se ponderado a possibilidade de reintroduzir o sistema de moeda mas sem sucesso.

Neste momento, funcionavam dois pontos de entrega e recolha: A Loja da Buga, aberta durante todo o ano e o posto de atendimento na Praça Melo Freitas, junto ao Turismo, durante os meses de Verão. Também nos meses de Verão, eram enviadas cerca de 50 bicicletas para São Jacinto para facilitar o acesso entre as praias, as piscinas e o cais de ligação ao Forte da Barra (MoveAveiro, 2006).

Desde de então até hoje, a BUGA tem sofrido os efeitos das dificuldades financeiras da MoveAveiro, tendo sofrido um desinvestimento crescente com consequências ao nível da manutenção das bicicletas e da qualidade de serviço prestado aos utilizadores.

Caracterização actual

Actualmente o sistema funciona com recurso a 200 bicicletas das quais, 150 se encontram operacionais. Diariamente são colocadas à disposição dos utilizadores entre 40 e 50 bicicletas na Loja Buga, único local em que actualmente o serviço é prestado. Em dias de maior afluência o número de bicicletas disponíveis é aumentado de acordo com a procura.

 

Figura 1 - Bicicletas e Loja BUGA
Figura 1 – Bicicletas e Loja BUGA

O empréstimo de bicicletas continua a funcionar contra a apresentação e depósito de um documento de identificação. O Clube Amigos da Buga mantém-se inactivo. No entanto, os utilizadores mais frequentes e sem incidentes no uso têm ao seu dispor uma modalidade de disponibilização semanal. Nesta modalidade o levantamento da bicicleta é realizado à segunda-feira e a entrega à sexta-feira. Este serviço é destinado preferencialmente aos não residentes em Aveiro, principalmente, os que utilizam a estação ferroviária como ponto de acesso à cidade.

Figura 2 – Serviços de atendimento e manutenção
Figura 2 – Serviços de atendimento e manutenção

Existe ainda a possibilidade menos comum de empréstimos por períodos mais alargados. Estes empréstimos são analisados caso a caso e destinam-se a resolver problemas específicos de mobilidade de alguns cidadãos. Tem sido o caso de desempregados ou de recém-empregados ainda sem outra solução de mobilidade para viagens de curta ou média distância.

A evolução da BUGA permite levantar a questão se, tendo em conta as características actuais do sistema, se trata de um modelo de Bike Sharing tal como foi definido na parte inicial deste artigo.

De facto, faltam-lhe um conjunto de características identificadoras deste tipo de sistemas, nomeadamente, a existência de diversos pontos de entrega/recolha ou a possibilidade de recolher e entregar as bicicletas em pontos junto à origem e destino da viagem. Estes aspectos associados à gratuitidade, independentemente do tempo da utilização, incentivam à retenção da bicicleta durante um período alargado de tempo o que contraria o espírito de partilha inerente aos sistemas de Bike Sharing.

Com recurso aos relatórios de contas e gestão da MoveAveiro relativos aos anos de 2008 e 2009 é possível quantificar a procura do sistema nesses anos e sua distribuição mensal. Não existem dados disponíveis para os anos anteriores e os dados de 2010 ainda não foram consolidados e publicados.

A procura anual global ronda os 30.000 empréstimos por ano, mais concretamente 27.558 em 2008 e 30.094 em 2009.

O pico da procura acontece no mês de Agosto em que o total de empréstimos ronda as 5.000 bicicletas. Seguem-se os meses de Julho e Setembro em que a procura ronda as 3.500 mensalmente. Na realidade cerca de metade da procura concentra-se entre Junho e Setembro com 51% em 2008 e 49% em 2009.

Em sentido contrário, a procura acumulada durante os meses de Inverno (Dezembro, Janeiro e Fevereiro) não vai além de cerca de um décimo do total, mais concretamente 11% nos dois anos.

A diferença de cerca de 2.500 utilizadores entre 2008 e 2009 justifica-se, em grande medida, pelo nível de procura durante a Primavera, principalmente nos meses de Abril e Maio, nos quais a procura aumentou em cerca de 2.000 de um ano para o outro (Figura 3).

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Figura 3 – Distribuição mensal do número de utilizadores da BUGA em 2008 e 2009 Fonte: MoveAveiro, 2009 e MoveAveiro. 2010

 

Com recurso ao registo dos utilizadores realizado durante o ano de 2010 foi possível realizar uma breve caracterização da procura da BUGA. O facto de o registo ser feito manualmente tem implicações na sua utilização.

Estas implicações são de três tipos. O primeiro diz respeito à quantidade de registos envolvidos, o que impediu o tratamento exaustivo da informação, tendo-se optado por um tratamento amostral. Assim para efeitos de caracterização consideraram-se três períodos: Inverno, Verão e Intermédio para os quais se utilizaram os meses de Janeiro, Agosto e Outubro como representativos desses períodos.

A segunda dificuldade prende-se com a interpretação da caligrafia dos vários intervenientes no processo de registo.

Por fim, a última dificuldade teve que ver com os critérios utilizados pelos funcionários da BUGA no preenchimento das folhas de registo. Para ultrapassar este tipo de dificuldades procedeu-se a uma análise pormenorizada dos dados de modo a encontrar inconsistências entre os registos e os diversos campos de cada registo.

Para além destas debilidades na qualidade de informação, existe o problema acrescido de os dados consultados não incluírem os empréstimos semanais, que de acordo os responsáveis pelo serviço representam em média entre uma e duas dezenas de bicicletas por semana. Uma vez que não se conhece a sua distribuição ao longo do ano optou-se por suprimir estes dados na análise tendo-se, no entanto, consciência que se trata de uma parcela considerável de utilização.

Não obstante as dificuldades identificadas, e tendo em conta que esta é a única forma de realizar algum tipo de caracterização quantificada da procura, considera-se relevante a análise dos elementos disponibilizados. Conclui-se então que da forma como está desenhado actualmente, principalmente por ter apenas um ponto de entrega/recolha, o sistema BUGA encontra-se muito mais à medida dos utilizadores esporádicos, nomeadamente dos turistas, que dos utilizadores regulares. Nesta perspectiva, considerou-se utilizador regular, todos os indivíduos que utilizam o sistema 4 ou mais vezes por mês.

De facto verifica-se que a grande maioria dos utilizadores são esporádicos, variando entre 73% no período intermédio e 89% no período de Verão.

No entanto, refira-se que, à excepção do período de Verão, os utilizadores regulares somados aos esporádicos provenientes de Aveiro totalizam mais de metade da procura global, pelo que se pode concluir que apesar de estar pouco à sua medida, os residentes, trabalhadores e estudantes em Aveiro continuam a representar uma parcela muito importante na procura global da BUGA. Relembre-se que, neste dados não estão incluídos os empréstimos semanais, pelo que o peso dos utilizadores de Aveiro é, na realidade, mais relevante (Figura 4).

Figura 4 – Tipologia de Utilizadores por período Fonte: Registos de Utilização, 2010
Figura 4 – Tipologia de Utilizadores por período
Fonte: Registos de Utilização, 2010

Observa-se também que o motivo e padrão de utilização apresentam diferenças conforme o tipo de utilizador. Um bom indicador deste aspecto é o número de bicicletas requisitadas em cada registo. De facto, os utilizadores regulares requisitam em média entre 1 e 1,2 bicicletas. Pelo contrário, os utilizadores esporádicos requisitam em média cerca de 2 bicicletas de cada vez.

Este padrão indica, como seria de esperar uma utilização muito mais virada para o lazer associado ao convívio nos utilizadores esporádicos (Figura 5).

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Figura 5 – Número médio de bicicletas cedidas por tipo de utilizador e período Fonte: Registos de Utilização, 2010

 

Por norma, a utilização média em dias de fim-de-semana ou feriado é superior à verificada nos dias úteis, apresentando estes últimos variações marginais entre os diversos períodos do ano analisados. No período intermédio a procura média em fim-de-semana ou feriado representa 122% da procura em dia útil enquanto que no Verão este valor sobe para 136%.

Em sentido contrário, no Inverno, a procura em fim-de-semana / feriado é inferior, ainda que ligeiramente (97%), à procura em dia útil.

Esta diferença justifica-se pela fraca apetência pela utilização da bicicleta nos meses de Inverno o que tem mais impacte na utilização ligada ao lazer (Figura 6).

 

Figura 6 – Rácio entre a utilização em fim-de-semana ou feriado e dia útil Fonte: Registos de Utilização, 2010
Figura 6 – Rácio entre a utilização em fim-de-semana ou feriado e dia útil
Fonte: Registos de Utilização, 2010

No que diz respeito ao local de residência verifica-se que dependendo do período considerado, entre 69% e 84% dos utilizadores são residentes em Portugal. O nível de utilização mais alto por parte de estrangeiros verifica-se no Verão em que 31% dos ciclistas são provenientes do exterior. Em sentido contrário, no Inverno a expressão dos utilizadores estrangeiros representam cerca de metade daquele valor totalizano apenas 16% (Figura 7).

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Figura 7 – Local de residência dos utilizadores por período de utilização Fonte: Registos de Utilização, 2010

 

Relativamente aos países de origem dos utilizadores residentes no estrangeiro, verifica-se que a maior parcela, bastante destacada das restantes, provém de Espanha, seguindo-se a França, a Itália, o Brasil, a Alemanha, a Polónia e o Reino Unido.

Note-se o facto de o peso dos utilizadores residentes no Brasil serem mais relevantes no Inverno e praticamente insignificantes no Verão. A este facto não é, com certeza alheia a diferença entre as estações do ano e, consequentemente, nos períodos de férias, entre o hemisfério Norte e o hemisfério Sul (Figura 8).

Figura 8 – Proveniência dos utilizadores residentes no estrangeiro por período de utilização Fonte: Registos de Utilização, 2010
Figura 8 – Proveniência dos utilizadores residentes no estrangeiro por período de utilização
Fonte: Registos de Utilização, 2010

Os inquéritos realizados no âmbito do Plano Municipal de Mobilidade de Aveiro permitiram reter algumas conclusões relativamente à utilização do sistema BUGA, nomeadamente no que se refere à caracterização dos utilizadores, seus motivos, percepções e tipologia de utilização. Estes inquéritos foram conduzidos de forma directa através do preenchimento de um formulário no momento do retorno do veículo, tendo decorrido durante os meses de Novembro e Dezembro de 2011. O modelo de inquérito totalizava 10 questões organizadas em três temas: caracterização do utilizador, caracterização da viagem/viagens realizada(s) e opinião/satisfação sobre o sistema. Nesse último caso as questões foram formuladas em formato de resposta aberta – no sentido da identificação das principais dificuldades encontradas e sugestões para o seu melhoramento – e através de escalas de Likert em cinco níveis, em que se solicitava a indicação do grau de satisfação sobre diversas características do sistema (ex: localização de pontos de recolha e parqueamento, facilidade de aluguer e de utilização, segurança, satisfação global) e funcionalidade da infraestrutura utilizada (ex: extensão da rede, relevância dos pólos servidos, satisfação global).

Da análise dos resultados obtidos conclui-se assim que o sistema é dominantemente utilizado por indivíduos do sexo masculino (78%) com idades entre 25 e os 35 anos, sendo a idade média dos inquiridos se situa perto dos 29 anos. Os residentes em Aveiro representam cerca de 2/3 dos inquiridos, sendo que na generalidade possuem habilitações com grau de licenciatura ou superior (56%). Verifica-se igualmente que as actividades profissionais ligadas ao ensino/investigação têm expressão relevante no contexto dos utilizadores inquiridos, em particular os estudantes de ensino superior que representam cerca de 1/3 dos inquiridos. A mesma proporção regista como destino de pelo menos uma etapa da sua viagem a Universidade de Aveiro, encontrando-se esta a par com a zona do Rossio. Com maior expressão são também identificados como pontos de referência para quase metade dos inquiridos (44%) o Forum Aveiro e/ou a Loja do Cidadão. Num terceiro escalão registam-se a Estação da CP e a zona do Jumbo/Glicinias identificadas em cerca de 1/5 dos inquéritos. Verifica-se que alguns dos utilizadores inquiridos utilizam o sistema numa base semanal utilizando-a para as suas viagens casa-trabalho-casa de um modo regular, mantendo o veículo em sua posse ao longo de todo o dia.

Relativamente à percepção que os inquiridos têm sobre a utilização do sistema BUGA será de destacar enquanto principal dificuldade o estado de conservação das BUGAS. Este aspecto é referido por cerca de metade dos inquiridos, centrando-se em particular em problemas relacionados com travões e mudanças, o que terá implicações na segurança da sua utilização. Tal situação vê-se de alguma forma reflectida nas classificações atribuídas sob o ponto de vista da satisfação. Os resultados obtidos face à segurança na utilização das bicicletas que, a par da questão sobre a localização dos pontos de recolha/estacionamento, registam um grau de satisfação Médio ou inferior para cerca de 2/3 dos inquiridos e Mau para uma parte já significativa destes (superior a 10%). No contexto do serviço BUGA os aspectos referidos de uma forma francamente positiva são a facilidade de aluguer e utilização das BUGAS – maioritariamente com uma classificação de Bom ou superior – e a simpatia dos funcionários do sistema BUGA, essa classificada como Excelente para mais de metade dos inquiridos e nunca inferior a Bom.

Figura 9 – Satisfação dos utilizadores inquiridos Fonte: Inquérito aos utilizadores da BUGA
Figura 9 – Satisfação dos utilizadores inquiridos
Fonte: Inquérito aos utilizadores da BUGA

 

Conclui-se também que em termos globais a maioria dos inquiridos apresenta-se positivamente satisfeita relativamente ao sistema BUGA, classificando na maior parte das situações como Bom, registando-se as classificações de Mau ou Fraco com uma representatividade inferior a 1/3 no total dos inquéritos analisados.

Menos positiva se regista a satisfação dos inquiridos face à infra-estrutura utilizada, sendo que em termos de satisfação global é a classificação Fraco que se observa com maior frequência, sendo que em termos de extensão da rede e pólos servidos menos 1/3 dos inquiridos se considera positivamente satisfeito (classificação Bom ou superior). Importa no entanto referir que quando questionados sobre eventuais medidas a implementar no sentido de melhorar o serviço prestado apenas um número residual de inquiridos refere o melhoramento da qualidade da infra-estrutura, sendo que as necessidades mais evidenciadas vão no sentido de uma melhoria da qualidade das bicicletas e da diversificação dos pontos de recolha.

 

A BUGA vs outros sistemas de bike sharing

Com recurso aos dados disponibilizados pelo projecto OBIS, Optimising Bike Sharing in European Cities, é possível fazer uma análise comparativa entre diversos sistemas europeus e a BUGA.

Para isso seleccionaram-se as cidades do referido projecto que possuíssem menos de 500.000 habitantes e com informação disponível relativamente à procura. Deste processo resultou a selecção 12 sistemas.

Os sistemas de Bike Sharing seleccionados têm características muito diferentes entre si o que dificulta a comparação. Alguns são sistemas de 3ª geração com recurso a cartão, outros com recurso a chave, outros ainda têm características semelhantes à BUGA. Vários sistemas são totalmente grátis, outros são pagos a partir de um determinado período de utilização. Cerca de metade dos sistemas analisados obrigam à realização de um registo pago enquanto na outra metade o registo é gratuito.

Apenas na BUGA e num outro dos sistemas analisados existe somente um posto de entrega de bicicletas. No que respeita ao número de bicicletas disponíveis, Aveiro encontra-se a meio da tabela.

A generalidade dos sistemas opera em zonas em que a intensidade de declives não é muito relevante. Do conjunto de todas as cidades em comparação, apenas 3 têm temperatura média superior a Aveiro mas, em contrapartida, 10 têm um nível de precipitação inferior.

Dez dos sistemas em comparação estão instalados em cidades com maior número de habitantes que Aveiro, das quais, 9 têm mais de 100.000 habitantes.

Finalmente, no que respeita à intensidade do uso dos sistemas de Bike Sharing, Aveiro encontra-se exactamente no percentil 50, ou seja, metade dos sistemas tem mais utilizadores enquanto a outra metade tem menos.

Em termos de nível de utilização é possível identificar 3 grandes grupos: Com cerca de 100.000 utilizadores anuais ou mais encontram-se 4 sistemas. Variando entre 20.000 e 40.000 utilizadores anuais (aprox) registam-se 4 sistemas. Abaixo de 13.000 utilizadores anuais encontram-se também 4 dos sistemas em comparação com a BUGA.

De notar que dos 6 sistemas com mais utilizadores que a BUGA, operam em cidades com mais de 200.000 habitantes, 2 deles têm mais de 100.000 habitantes e apenas 1 dos sistemas tem menos habitantes que Aveiro.

Apenas 4 dos sistemas analisados possuem um rácio entre número de utilizadores e população superior ao que se verifica em Aveiro.

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Quadro 1 – Comparação entre o sistema BUGA e outros sistemas europeus Fonte: OBIS, 2009

 

Como síntese desta análise comparativa pode-se referir que apesar de todas as carências e dificuldades que se verificam no funcionamento da BUGA este sistema tem um nível de procura bastante interessante nomeadamente quando se compara com algumas cidades com uma dimensão populacional muito mais elevada, o que indica que Aveiro possui características intrínsecas que permitem potenciar a utilização deste tipo de sistemas.

Vectores possíveis de evolução

Afiguram-se como possíveis três caminhos para o futuro da BUGA:

  • Manutenção do Status Quo. Este caminho será o menos aconselhável já que as dificuldades orçamentais da MoveAveiro, associadas à não geração de receitas próprias por parte do sistema deverão implicar a continuação do processo de definhamento que se deverá acentuar à medida que o desânimo e a falta de motivação se instalar na equipa de funcionários afectos à BUGA;
  • Revitalização do Sistema BUGA. Este processo de revitalização deverá passar pela intervenção em diversos aspectos do funcionamento da BUGA, como por exemplo:
    • Organização, ponderando sobre a manutenção na estrutura da MoveAveiro,
    • Financiamento, através da criação de receitas próprias com recurso a taxas de utilização e publicidade que permitam aumentar a capacidade de manutenção do sistema e investimento sem aumentar o nível de subsidiação da Câmara Municipal;
    • Funcionamento do sistema considerando-se a possibilidade de criação de novas Lojas Buga principalmente junto à Estação Ferroviária e na Universidade de modo a aumentar a atractividade do sistema junto dos segmentos de utilizadores de transporte colectivo e estudantes. Este processo deverá ser acompanhado com a introdução de alguma tecnologia que permita a comunicação entre as diversas Lojas Buga de modo a permitir que a entrega e recolha das bicicletas se possa fazer em locais distintos;
  • Instalação de um novo sistema de 3ª geração. Este é o caminho que implicará um investimento mais avultado não sendo totalmente claro que o sistema consiga gerar as receitas necessárias ao seu total financiamento. No entanto, é o que tem mais potencial de procura desde que sejam utilizados os padrões de dimensionamento usuais (estações de 300 em 300 metros com 15 a 20 bicicletas por estação).

O Plano Municipal de Mobilidade de Aveiro, actualmente em execução, deverá explorar estes vectores de desenvolvimento, ponderando prós e contras de cada opção, sugerindo aquela que venha a maximizar a sua utilização dentro das restrições orçamentais existentes.

Referências

Bike-Share Studio, Department of Urban Design & Planning, College of Built Environments, University of Washington, Seattle Bicycle Share Feasibility Study, Seattle, 2010

DEMAIO, Paul, Bike-sharing: History, Impacts, Models of Provision, and Future Journal of Public Transportation, Vol. 12, No. 4, 2009

MOVEAVEIRO, Empresa Municipal de Mobilidade – Relatório de Gestão e Contas/2005 Aveiro, 2006

MOVEAVEIRO, Empresa Municipal de Mobilidade – Relatório de Gestão e Contas/2008 Aveiro, 2009

MOVEAVEIRO, Empresa Municipal de Mobilidade – Relatório de Gestão e Contas/2009 Aveiro, 2010

OBIS – Optimising Bike Sharing in European Cities; BUTTNER, Janett, coord.; Berlim, 2009

SHAHEEN, Susan; GUZMAN, Stacey; ZHANG, Hua Bikesharing in Europe, the Americas, and Asia: Past, Present, and Future, Transportation Research Board Annual Meeting, Washington, D.C. 2010